Está cada vez mais a ganhar aceitação a ideia de que os bancos comerciais devem partilhar um pouco mais dos lucros “chorudos” que têm acumulado nos últimos anos com o aumento das taxas de juro. Através da tributação, procura-se assegurar o merecido quinhão das famílias que são, de forma crescente, sufocadas pelo elevado custo do dinheiro que tem proporcionado aos bancos lucros fabulosos, mesmo em contextos de crise.
Depois de uma medida similar na Espanha, a Itália anunciou recentemente a criação de um imposto de 40% sobre os lucros extraordinários da banca[1]. O imposto deverá ser pago até Junho do próximo ano, sendo devido por todos os bancos que acumularam bilhões em lucros “extras” com o aumento das taxas de juro registado nos exercícios económicos de 2022 e 2023.
Com a medida, o governo italiano espera arrecadar mais de dois mil milhões de euros. A receita arrecada será usada para financiar o apoio a famílias afectadas pelas actuais taxas de juros mais altas, através do apoio aos titulares de créditos hipotecários e à redução de impostos.
O imposto proposto não poderia ser mais acertado, na medida em que a receita que será arrecada deverá ser canalizada para o alívio do ónus da tributação e do custo de vida suportado pelas famílias na base. Esta medida é um exemplo a ser seguido no que refere à (re)orientação do sistema tributário a favor dos cidadãos que colocam a economia a funcionar. Há aqui uma oportunidade de aprendizado para o Governo de Moçambique.
Assim como em outros países, o custo do dinheiro em Moçambique disparou nos últimos anos, num contexto que já era considerado elevado e incomportável. Aliás, o Banco de Moçambique está na linha da frente com a postura mais restritiva na gestão dos instrumentos de política monetária ao nível da região, tendo incrementado a sua taxa de juro em 450 pontos base, de 12,7% para 17,25%, nos últimos três anos.
O ciclo vicioso de encarecimento do dinheiro tem gerado, até aos dias que correm, lamentações de famílias e empresas com empréstimos na banca. Enquanto as famílias choram inconsolavelmente com as elevadas prestações dos empréstimos (um desafio enfrentado também pelo próprio governo no serviço da dívida interna), os banqueiros nacionais acumulam lucros gordos. A situação é tal que mesmo em contextos de crise, como é o caso da pandemia da COVID-19 que resultou na contracção da actividade económica, o sector bancário continuou reportando lucros fabulosos.
Não constitui novidade que o trabalho de intermediação dos bancos em Moçambique ainda é caracterizado por uma “ineficiência organizada”. Por exemplo, enquanto as taxas de empréstimos disparam, as taxas de depósitos (a recompensa que os moçambicanos ganham pelos seus esforços de poupança) tendencialmente marcam passo. Não é surpreendente que a diferença entre estas taxas (o spread bancário, actualmente em torno de 14%, contra os 12% de há três anos) continue sendo elevada. É reflexo da ineficiência do processo de intermediação que tem assegurado lucros gordos aos bancos ano pós ano, em detrimento da promoção do investimento e crescimento económico.
Segundo dados do último Boletim de Estabilidade Financeira do Banco de Moçambique, em Dezembro de 2022, o resultado líquido do sector bancário, depois de impostos, atingiu o valor de 28,5 mil milhões de meticais, um aumento de 16,13% em relação ao período homólogo de 2021. O sector apresenta um nível de rendibilidade (e incumprimento no pagamento de empréstimos) que é superior à maioria dos países da África Austral.
Estas informações que vêm sendo sistematicamente reportadas, mesmo em contextos de crise, devem suscitar alguma preocupação ao nível do Governo. Enquanto não são criadas condições para melhorar a eficiência do nosso sistema financeiro, é preciso tributar esses lucros extraordinários e colocá-los para financiar a melhoria das condições de vida dos moçambicanos.
Medidas como esta, que tem por fim o aumento da arrecadação de receitas, são particularmente importantes para o país, principalmente considerando os sinais de “falência” do Estado que se assistem nos últimos meses (caso das dificuldades no pagamento de salários e agora o alcance dos limites de endividamento interno ainda no sétimo mês do ano).